Prejuízo no Tesouro Direto

Pergunta do investidor: Investi dinheiro em Tesouro IPCA. No início meu dinheiro subiu, mas agora está caindo, será que fiz a coisa certa?! Tesouro Direto dá prejuízo?!

Esta é uma questão muito recorrente entre os investidores iniciantes e achei pertinente respondê-la aqui no blog. É comum ao investidor ouvir uma indicação de compra ou mesmo receber uma recomendação de um assessor financeiro e logo em seguida fazer um investimento mas só depois tomar a real consciência da ação tomada. Eu mesmo já fiz isto algumas vezes, e só depois de vermos a conta ficar vermelha é que vamos a fundo nos conceitos que estão por trás daquele ativo financeiro escolhido.

Para explicar porque o investimento do internauta em Tesouro IPCA está no negativo vamos antes explicar alguns conceitos básicos de economia, mas se você já está familiarizado com os termos juros, taxa SELIC e títulos da dívida pública então pode ir direto ao penúltimo tópico deste post.

O Que são Juros?

Antes de responder de fato a questão do internauta, vou recorrer primeiramente a uma das definições de juros mais interessantes que já li e retirada do livro “O Valor do Amanhã” de autoria do filósofo e economista Eduardo Giannetti…

“A vida é breve, os dias se devoram e nossas capacidades são limitadas” Neste contexto, os recursos que podem satisfazer nossos desejos são limitados e não há como satisfazer o desejo de todos ao mesmo tempo. Alguns – os credores – aceitam adiar a realização de seus desejos. Outros – os devedores – escolhem realizar seus desejos agora, importando recursos do futuro, pagando a conta depois. Esta alocação de recursos na linha do tempo gera um prêmio para os credores e um custo para os devedores: os juros.

o valor do amanha
Juros são prêmios para os mais pacientes pois o mercado financeiro nada mais é que uma transferência contínua de valor dos mais aflitos para os mais pacientes

Os juros são, portanto, o prêmio da paciência para quem aceita emprestar agora e viver depois e o custo da impaciência para quem decide viver agora e pagar depois. Segundo Giannetti, este é um dos grandes dilemas não só do homem como de todos os seres vivos, uma lógica presente na natureza, nas religiões, na vida dos indivíduos e na vida em sociedade: “A tensão entre presente e futuro – agora, depois ou nunca – é uma questão de vida ou morte que permeia toda a cadeia do ser.” (p. 43)

Giannetti procura mostrar que o fenômeno dos juros é inerente a toda e qualquer forma de troca em diferentes períodos no tempo, representando os ganhos decorrentes da transferência de valores do presente para o futuro, ou os custos de antecipar valores do futuro para o presente. Neste ponto de vista, os juros monetários são apenas uma pequena fatia do conceito geral de juros.

O economista discorre também sobre o conceito da “miopia temporal”, quando o indivíduo dá elevada importância ao que está mais próximo no tempo, e seu espelho, a “hipermetropia temporal”, quando é atribuído um valor excessivo ao amanhã, em prejuízo das demandas correntes.

De um lado, o sujeito que vive o carpe diem de forma hedonista ou mesmo irresponsável, e do outro lado, o que adia tanto seu viver que o hoje vira um enorme vazio. Se o míope com freqüência é vítima do remorso, porque o futuro chega e cobra seu preço pelo passado despreocupado, o hipermétrope normalmente sofre com o arrependimento pelo desperdício de oportunidades perdidas com o excesso de zelo pelo amanhã.

O Que é Taxa SELIC?

Vamos deixar as questões filosóficas para um outro momento e retornar às questões monetárias. Aqui no Brasil, como também em outros países, o governo federal emite títulos públicos e, por meio da venda deles, toma empréstimos para financiar a dívida sua pública. Quem compra esses títulos está realizando uma aplicação do seu dinheiro para, em troca, receber uma contrapartida: os juros.

O Banco Central, que administra os leilões de títulos do governo, é a instituição que define a remuneração sobre os títulos, ou seja, a taxa de juros. No âmbito do Banco Central existe o órgão denominado Comitê de Política Monetária (COPOM). Sua função é definir as diretrizes da política monetária do país e a meta da taxa básica de juros (SELIC) oito vezes ao longo do ano.

grafico selic atual
Evolução da taxa SELIC nos últimos anos: chegamos no topo?!

A SELIC é a taxa de financiamento no mercado interbancário para operações de um dia, ou overnight, que possuem lastro em títulos públicos federais, títulos estes que são listados e negociados no Sistema Especial de Liquidação e de Custódia. Esta taxa reflete o custo do dinheiro para empréstimos bancários, com base na remuneração dos títulos públicos.

Em outras palavras, esta taxa é usada para operações de curtíssimo prazo entre os bancos, que, quando querem tomar recursos emprestados de outros bancos por um dia, oferecem títulos públicos como lastro (garantia), visando reduzir o risco, e, consequentemente, a remuneração da transação (juros).

Assim, como o risco final da transação acaba sendo efetivamente o do governo, pois seus títulos servem de lastro para a operação e o prazo é o mais curto possível (um dia), esta taxa acaba servindo de referência para todas as demais taxas de juros da economia. Esta taxa não é fixa e varia todos os dias, mas dentro de um intervalo pequeno, já que, na grande maioria das vezes, ela tende a se aproximar da meta estabelecida pelo COPOM.

Aumentar ou reduzir a SELIC trás diferentes implicações à economia. Quando o Banco Central aumenta a taxa de juros, ele está indiretamente orientando o mercado à diminuição do consumo e ao aumento da poupança. Quanto ele a reduz, orienta o contrário, aumentar o consumo e diminuir a poupança.

O aumento na taxa básica de juros atrai mais investimentos em títulos públicos e a quantidade de dinheiro em circulação diminui. Como as pessoas estão consumindo menos, a lei de mercado faz com que a queda na demanda baixe os preços dos produtos e serviços em oferta. Desta forma, a manipulação da meta SELIC constitui-se de um das principais ferramentas de controle de inflação do governo, senão a mais efetiva.

O Que é Tesouro Direto?

O Tesouro Direto foi implementado em janeiro de 2002 pelo Tesouro Nacional em conjunto com a Companhia Brasileira de Liquidação e Custódia (CBLC). Este programa possibilita a aquisição de títulos públicos por parte das pessoas físicas através da Internet. Antes disto apenas os bancos, corretoras e outras instituições financeiras podiam comprar os títulos do governo.

Quando o investidor compra títulos do governo está comprando, na verdade, um título da dívida pública, que, diga-se de passagem, está perigosamente cada vez maior. Funciona literalmente como um empréstimo do cidadão para o governo. O título comprado fica guardado na CBLC da BM&FBovespa devidamente vinculado ao CPF do investidor. Todo título possui uma data de vencimento na qual o governo recomprará automaticamente o título. Mas isto não impede que o investidor venda o título antecipadamente se assim desejar.

Veja abaixo os títulos sendo atualmente negociados no Tesouro Direto. Os valores de taxa e preço variam de acordo com o mercado.

tesouro direto
Títulos públicos negociados no Tesouro Direto

O Tesouro Direto é uma sopa de letrinhas, quem está começando agora os estudos dos títulos fica praticamente perdido, sem saber o que comprar e o porquê. Recentemente o governo mudou as nomenclaturas e facilitou o entendimento, ficou assim:

Tesouro SELIC (Antiga LFT): Títulos com rentabilidade diária vinculada à taxa de juros básica da economia (taxa SELIC). Forma de pagamento: no vencimento;
Tesouro Prefixado (Antiga LTN): Títulos com rentabilidade prefixada definida no momento da compra. Forma de pagamento: no vencimento;
Tesouro Prefixado com Juros Semestrais (Antiga NTN-F): Título com rentabilidade prefixada definida no momento da compra. Forma de Pagamento: semestralmente (juros) e no vencimento (principal).
Tesouro IPCA com Juros Semestrais (Antiga NTN-B): Título com rentabilidade vinculada à variação do IPCA, acrescida de juros definidos no momento da compra. Forma de pagamento: semestralmente (juros) e no vencimento (principal);
Tesouro IPCA (Antiga NTN-B Principal): Título com rentabilidade vinculada à variação do IPCA, acrescida de juros definidos no momento da compra. Forma de pagamento: no vencimento (principal);

Como pode ser percebido nas definições acima, estão disponíveis dois tipos de títulos: prefixados e pós-fixados. Nos títulos prefixados (LTN e NTN-F), o investidor sabe quanto seu investimento irá render após certo período, pois as taxas juros associadas são definidas no momento da compra.

Nos títulos pós-fixados (LFT e NTN-Bs) a rentabilidade varia de acordo com a taxa de juros vigente e a inflação do período no caso das NTN-Bs. A NTN-B e a NTN-B Principal são na verdade títulos híbridos, pois possuem uma componente prefixada (a taxa de juros acordada na compra) e uma componente pós-fixada (o índice inflacionário associado, no caso o IPCA).

Por que Então Estou Perdendo Dinheiro no Tesouro Direto?!

Para o investidor menos atento, ao ver o extrato negativo da sua conta de tesouro direto, pode ocorrer uma sensação de investimento errado, ou investimento na hora errada. No caso das NTN-Bs, como o preço do título é inversamente proporcional à taxa de juros, pode acontecer do preço do título cair após a compra. Simplesmente pelo fato de que a taxa de juros subiu no período. Mas isto não deve ser preocupação para o investidor, pois a taxa pactuada com o governo no ato da compra será honrada no vencimento do título.

Mas o que faz a taxa de juros aumentar e consequentemente faz o preço de um NTN-B cair? Um exemplo está ocorrendo no atual momento, com o aumento do risco-país sendo sentido pelo mercado, automaticamente os juros tendem a subir, pois fica mais “perigoso” emprestar dinheiro ao governo exigindo um prêmio (juros) maior para os credores. A própria política atual do governo de aperto monetário para conter a inflação contribui para a alta dos juros. Isto porque o governo precisa tirar dinheiro de circulação para reduzir o consumo e controlar a inflação, e uma forma de fazer isto é atrair investidores com taxas de juros mais atrativas.

No Tesouro Direto Conhecimento é a Chave do Sucesso

Para investir em títulos do governo é muito importante que o investidor conheça cada um dos títulos e acompanhe o cenário macroeconômico. Por exemplo, quando está ocorrendo alta nos juros, seja pelo aumento do risco-país ou seja pelo aumento da taxa SELIC para conter a inflação, não é momento de se investir em títulos prefixados pois o investimento terá menor rentabilidade. Um bom investimento em momentos de ciclos de alta dos juros são os títulos pós-fixados. Da mesma forma, os títulos pós-fixados não são indicados no ciclo de queda da taxa de juros, seja por conta do recuo da inflação ou pela queda do risco-país. Nesta caso uma boa opção é investir em títulos prefixados.

Outra variável muito importante a ser considerada no momento da compra de um título é a inflação. Para calcular o rendimento real do seu investimento é necessário conhecer a inflação do período. Se o investidor está comprando LTNs cuja rentabilidade é fixada no ato da compra, o mesmo está apostando em uma queda da inflação no período. Se por outro lado a inflação subir seu poder de compra futuro estará comprometido.

Uma variável importantíssima que é geralmente relegada pelos investidores que vendem os títulos antes do vencimento é o imposto de renda que o governo retém sobre o lucro da venda. O governo não é bobo e fica com uma parte dos juros que ele está te pagando através da incidência de imposto sobre lucros, e quanto mais tempo o investidor ficar com o título menos imposto ele pagará ao governo.

Para o investidor que tem aversão a riscos, o título mais adequado nos momentos de alta de juros é a LFT. Com este título o investidor ganha aumento de rentabilidade com o ciclo de alta da SELIC. Se a taxa cair terá rentabilidade menor, mas o capital atual sempre será superior ao capital investido, o que elimina as chances de colher prejuízo caso decida ou precise vender os títulos antes do vencimento. A LFT pode ser usada também como investimento do colchão de segurança, quem deixa dinheiro hoje em poupança para emergências está perdendo uma grande oportunidade de rentabilizar melhor o dinheiro parado.

No caso dos títulos prefixados, a principal referência para a formação de preços é o DI Futuro, derivativo de taxa de juros negociado na BMF&Bovespa e utilizado para balizar as taxas dos títulos públicos. Na prática, o DI Futuro é um swap de taxa de juros, que fornece aos compradores de títulos prefixados um hedge contra oscilações na taxa de juros e, consequentemente, nos preços dos títulos. A taxa dos títulos prefixados é obtida somando-se um prêmio à taxa do DI Futuro de prazo equivalente.

Fica claro que o investidor possui mais de uma opção de investimento em um dado cenário econômico. Cabe a ele fazer as melhores escolhas de acordo com seu perfil de investimento (arrojado ou conservador). Citei aqui algumas opções para determinados cenários, porém existem outras opções mais avançadas que combinam a compra e venda de diferentes títulos em diferentes momentos. Através de pesquisas na internet o leitor poderá encontrar vasto material sobre o assunto, alguns pagos e outros gratuitos.

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